Para que servem os nossos nomes, certidão de nascimento, se no final das contas o que conta é quem somos e as atitudes que tomamos perante amigos e parceiros amorosos? E se temos nomes, por que então, para tudo que fazemos são os números que nos identificam: CPF, RG, Nº da conta do banco, etc. E o nosso nome? ele não passa de um mero coadjuvante, uma impressão do que somos sem na verdade termos consciência de quem somos! não é?
Um pouco anarquista esta introdução? niilista talvez? Pois então, o filme
A Concepção, dirigido pelo iniciante José Eduardo Belmonte e produzido pela Olhos de cão (de Paulo Sacramento, que se especializa em produzir longas B.O. com temáticas polêmicas, como
Amarelo Manga e
Cama de Gato), não é um soco, é um chute no estômago de quem o vê, e vai muito além da premissa niilista.
A humanidade está doente.
O filme se passa em Brasília, começa com o cotidiano de alguns jovens filhos de diplomatas que trabalham fora do Brasil. Vivem em um apartamento Alex, Lino e Liz. São todos jovens e com um grande fator em comum: não agüentam mais o tédio do Distrito Federal. Esse tédio vai dar lugar a outras sensações. Tudo muda quando Lino e Alex vão a zona e lá conhecem X, personagem sem nome e sem história, mestre em falsificar documentos e alquimista. Os dois rapazes logo se interessam pelas idéias de X, os três encerram a noite nos lençóis.
No dia seguinte, X propõe a formação de um falso movimento, A Concepção, que prega entre outras coisas como, a morte do ego, abolir o dinheiro, o caminho do excesso, nem que pra isso seja necessário o uso de drogas, viver cada dia como se fosse o último. Daí começa um festival hedonista (tal qual em
Os Idiotas, de Lars Von Trier, filme-símbolo do Dogma 95) levado as últimas consequências e reagado a drogas, rock, sexo e delitos.
O que querem os concepcionistas? Nada de magnífico, só querem viver, celebrar a morte do seu ser a cada 24 hs, abrir mão dos números, dos cartões, fraudar pessoas, ser um alguém a cada dia, se relacionar com pessoas sem distinção de sexo, abusar dos psicotrópicos, ultrapassar fronteiras.
"Conceda-te esse momento de liberdade, abra mão de ser quem você pensa que é"...O caminho é mais ou menos esse. Então, tá a fim de ser um concepcionista?
Agora, ser chamado de o trainspotting brasileiro? Não penso que seja por aí.....o diretor certamente se influencia pele filme de Danny Boyle, assim como por Clube da Luta ou os filmes de Larry Clark (diretor de
Kids) ou mesmo pelo cinema Marginal de Sganzerla & Bressane, criando uma estética diferente no cinema Brasileiro, tecida de um frescor juvenil, num grande prisma de absolutamente toda possibilidade de fazer um cinema “sujo”: câmera tremida, desfocada, granulada, sons oscilantes, cores alteradas, efeitos especiais, cartoons, planos curtos, cortes rápidos, narrativa fragmentada e não-cronológica, tendo a captação em diferentes formatos: super-8, digital, 16mm, 35mm e cam de celular.
Narrativamente, é perigoso, mas ao mesmo tempo corajoso a forma como a temática de um grupo vivendo uma ideologia hedonista (algo como o ocorrido em
Os Sonhadores, de Bertolucci), alheios ao mundo em que vivem e defendendo uma bandeira, e a ligação que a história desses jovens cria com um público ultrapassar a barreira do choque e criar uma conexão, suscitando reflexões sobre o que está sendo visto. Os concepcionistas, buscam legitimar uma vida que já levavam. As leis são feitas para se moldarem ao cotidiano, e não o contrário. Essas próprias leis, paradoxalmente, impedem que sejam cumpridas, e deixam claras que não atingem objetivo nenhum além do próprio prazer. Com isso, cria-se um 'link' antropofágico com o público, à medida em que somos devorados pelas falas e atitudes daqueles personagens. Mas eu me pergunto: e a experiência? pra mim, ela existiu no momento em que o filme se formou na minha mente como uma utopia, que se fora de controle, nos 'traga' de volta à realidade. A fala final de Lino ilustra essa desesperança e vazio: "um dia....eu poderei viver tudo isso que até hoje só foi parte de uma experiência adquirida...eu poderei sumir sem viver, ser niguém....um dia".
Nós nunca fomos nem deixaremos de ser...Concepcionistas