sábado, 25 de agosto de 2007

O Banquete Estético da Arte Cinematográfica

"O Cinema está morto. vida longa ao Cinema", ele disse.

Para o cineasta Peter Greenaway, um filme é feito sobretudo de imagens em movimento. Ao diretor, interessa mais a composição do plano cinematográfico do que a construção do roteiro. Seu olhar tem a mesma sensibilidade da visão de um pintor, ocupado em representar meticulosamente na tela as cores, a disposição dos objetos no cenário, o movimento dos atores diante da câmera. Não é à toa que as suas preocupações estéticas dizem de cara quem Greenaway é: um artista plástico que, antes de começar a extensa carreira no cinema, dedicou tempo integral à pintura. "A única arte que me ensinou algo foi a pintura, eu penso que ela é arte suprema.

Michael e Georgina se encontram no banheiro multicolor

Se você quiser contar histórias, seja um escritor e não um cineasta", disse Greenaway pouco antes da estréia de
O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, em 1989. Marcado pelo estilo barroco de figurinos e cenários, o filme acaba de ser lançado em DVD e confirma ser o melhor longa-metragem do cineasta até o momento. Apesar da ênfase na plasticidade de cada seqüência, O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante não desmerece a força de uma boa história que lembra o teor visceral das tragédias clássicas gregas. Morte, sexo e poder norteiam a história do gângster Albert Spica (Michael Gambon) que janta todas as noites no restaurante Le Hollandais em companhia de seus capangas e da esposa Georgina (Helen Mirren). Cansada do comportamento violento do marido, Georgina começa a flertar com o bibliotecário Michael (Alan Howard). A traição estimula Spica a preparar uma cruel vingança contra Michael, que por sua vez será vingado por Georgina. Enquanto isso se evidencia o contraste entre o rico e pedante Spica, que também é proprietário do restaurante, e o humilde e atencioso chef de cozinha Richard. E, no meio de toda a trama, um garotinho pontua cada ato com uma melancólica canção como se suprisse o papel do coro trágico.

Spica vê-se obrigado a degustar uma iguaria exótica

Sensações oriundas do baixo ventre exercem suma importância
em O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Há uma intrinseca relação entre a arte culinária e o sexo. "No mundo antigo, os romanos e os gregos sempre pensaram que a alma residia no abdômen; apenas os cristãos acreditavam que ela habitava o peito. As civilizações primitivas ensinaram que a barriga é o centro do corpo e sua própria gravidade, mas o cristianismo subverteu esse princípio ao considerar o coração como o âmago do homem", comentou Peter Greenaway sobre o filme. O cineasta também não poupa o espectador da violência e da escatologia para provocar uma reflexão mais intensa sobre as paixões do homem moderno e sua natureza animal. Logo no início, vemos a polêmica cena em que o ladrão, Albert Spica, violenta um homem na entrada do restaurante e o obriga a comer os excrementos dos cachorros que estão latindo e brigando. O contraponto à sujeira externa é a cozinha esverdeada, cujo cenário denota assepsia e purificação. Aliás, cada espaço apresenta cor e luz diferente para enfatizar sua importância cênica no decorrer das ações. "A cozinha é verde porque representa a floresta de onde vem todo o alimento; o restaurante é vermelho por ser onde toda a violência ocorre; o banheiro, onde os amantes fazem amor pela primeira vez, é como o paraíso, e como tal ele tinha de ser branco; tem uma breve seqüência no hospital que é iluminada com amarelo porque para mim é a cor das crianças, dos ovos, dos recém-nascidos; e finalmente a cor da biblioteca que é ouro, representando 'a época dourada do aprendizado', o idílico tempo em que tudo no Jardim do Éden era maravilhoso", chegou a explicar Greenaway na época do lançamento do filme nos cinemas.

O quadro de Frans Hals que inspirou Greenaway no seu Banquete

Convém observar o quadro "Banquete dos Oficiais da Companhia da Guarda de São Jorge", do holandês renascentista Frans Hals, que propositalmente enfeita a parede do salão principal do restaurante para dar conta do exercício de poder de Spica, durante as fartas e exóticas refeições, e também para criticar os bons costumes da Grã-Bretanha. Todo o moralismo britânico e cristão desmorona na cena final, que apenas os espectadores de estômago forte conseguem suportar e é de um lirismo primoroso, onde Georgie desafia o marido a cumprir o prometido, a devorar o amante morto.

4 comentários:

Anônimo disse...

marvada carne do Greenaway....

Ricardo Soares disse...

greenaway... se todos pensassem cinema assim...besos
ricardo

Zero disse...

Acredito que em filmes, assim como na música e na literatura, o importante é tocar, de alguma maneira (mas não me pergunte como) o público. Tanto faz se a questão é um bom roteiro ou não, ou se a iluminação é mais importante do que a história, sempre há alguém que irá gostar da proposta (nem que seja o próprio autor).
Ixi... pensamento vazio este meu, é que tô de bobeira lendo blogs por aí...
Tenha um bom feriado!

Sara Burle, disse...

Lorenníssima, como vc está? Vamos atualizar esse blog, neh?! =)
Bora aproveitar q a gente tah no sul e se encontrar em floripa? é só marcar uma semana...bjs pra ti =***